quinta-feira, 11 de junho de 2015

Ilhada em Mim–Sylvia Plath, por André Guerreiro Lopes

 
O diretor e ator André Guerreiro Lopes fala, em artigo exclusivo, sobre a concepção do espetáculo Ilhada em Mim – Sylvia Plath. O texto inaugura uma nova fase do blog da Nossa Senhora da Pauta. Agora, toda a semana, um autor, diretor ou ator de uma montagem falam sobre as concepções dos seus espetáculos em artigos inéditos. Boa leitura!

Ilhada em mim- Sylvia Plath com  André Guerreiro Lopes- Fotos Wilson Melo.


Queríamos, em um novo espetáculo da Cia. Lusco-fusco, investigar os estados limites que um artista enfrenta para dar forma à sua criação, mas através de um olhar feminino, de uma artista. A dramaturga Gabriela Mellão nos propôs Sylvia Plath. O universo de Sylvia é fascinante e de uma complexidade única, concentra temas intensos como impulsos simultâneos de criação e (auto)destruição, o difícil desdobrar-se em diversos papéis sociais - artista, mulher, mãe - a relação tempestuosa e apaixonada entre o casal Sylvia e o poeta Ted Hughes. Decidimos mergulhar neste universo não de maneira biográfica, narrativa, mas criando um poema cênico de forte simbologia visual. Gabriela criou um texto aberto a partir dos escritos pessoais de Sylvia. Na encenação, busquei dar forma aos diversos impulsos internos dessa artista única, muito inspirado na força de sua poesia, que é conhecidamente auto-referente, feroz e irônica. O espetáculo é composto por diversas cenas construídas como tableaux, quadros vivos, atravessando momentos centrais da vida de Sylvia, o encontro e paixão por Ted Hughes, a criação dos poemas e a censura póstuma feita por Ted, a relação com a ausência causada pela morte do pai transposta para uma espécie de dança/ritual, a angustia existencial, o encarar a morte. Tudo é vivido pelos atores sobre um espelho d’água, o cenário aos poucos vai submergindo, há objetos relacionados à vida de Sylvia que estão congelados e vão derretendo ao longo da peça. A proposta do espetáculo é criar uma síntese poética que provoque a imaginação do espectador, através da imersão sensorial criar espaço para que ele viva uma experiência pessoal. Em nossa montagem anterior, o Livro da Grande Desordem e da Infinita Coerência, o ponto de partida foi o livro Inferno, do autor sueco August Strindberg. O cineasta Píer Paolo Pasolini escreveu que “O Inferno de Strindberg não é um livro, mas uma experiência”. Esse foi o norte daquela encenação - e de certa forma de todas as produções da Cia. Lusco-fusco - a ideia de uma experiência compartilhada. Apesar de esteticamente serem bastante diferentes, há um forte diálogo entre Ilhada em Mim e O Livro da Grande Desordem, ambos são espetáculos que buscam dar forma a estados mentais, que retratam jornadas humanas e artísticas intensas, focam o abandonar da zona de conforto, o passo para o desconhecido.


A maior preocupação na criação de Ilhada em Mim foi não reduzir a vida e obra de Sylvia Plath a um enredo esquemático, não abordá-la de forma simplista. Muitas das biografias sobre Sylvia buscam explicações para seu suicídio, ora culpam o marido, ora a relação com a mãe... Outras biografias expõem a mulher extremamente autocentrada e difícil que era. São todas versões parciais e reducionistas, e para que tentar explicá-la em uma teoria? E dado o grau da tragédia que ela e a família ao redor viveram, esse desejo de “explicá-la” me parece perverso, não é para mim material artístico. Busquei compartilhar o mistério, não resolvê-lo. Viver, junto com o público, uma experiência. Não é um espetáculo psicológico, é um espetáculo de força simbólica, usando a água como elemento articulador, representando o perigo, a asfixia, mas também um elemento de libertação, purificação, de evolução cíclica do tempo. Não me baseei nessas análises psicológicas sobre Sylvia, minha fonte foi sua obra, a força ambígua e a estrutura de seus poemas. A poesia de Sylvia fala de morte mas é plena de vida, de energia vital, é feroz, ácida, irônica, nada autocomplacente, bela e agressiva . Esses elementos estão no espetáculo, foram minha matéria prima. É um universo inesgotável, minha intenção foi a de transpor uma visão sobre esse universo para o palco, deixando espaço para o público criar junto, tirar, se quiser, suas próprias conclusões. Ou vivenciar silenciosamente, intimamente. A poesia de Sylvia, para mim, é antes de tudo mobilizadora de energias, nos tira do lugar confortável, conhecido. Diversas pessoas que nos assistiram na primeira temporada nos disseram que saíram do teatro sem palavras, mas plenas de sensações, emoções, mobilizadas, e só no dia seguinte começaram a elaborar o que experimentaram, instigadas a conhecer mais a obra poética da Sylvia. Isso para mim é a maior alegria e incentivo para continuar a fazer o tipo de teatro em que acredito. O olhar do público é muito importante nos meus espetáculos, o sentido final se forma mesmo na mente de quem assiste.

Ilhada em mim- Sylvia Plath com Djin Sganzerla - Fotos Wilson Melo.1JPG

Fundamental é a parceria com Djin Sganzerla, atriz extraordinária, capaz de um mergulho vertical profundo em seu próprio imaginário, criando uma atuação cheia de suspensões no tempo, de mistério, uma Sylvia-esfinge. Não compreendemos bem o desafio do seu olhar: “Decifra-me ou devoro-te?” Ou “Devora-me ou decifro-te?”. Ela tem uma frase de que gosto muito sobre o trabalho, diz que sua Sylvia é uma brasa de fogo, deslocando-se por aquele palco-água.

O esforço de todos os artistas envolvidos foi o de criar no palco um “surrealismo tenso”, que para mim é o termo definidor do espetáculo.

Ilhada em Mim – Sylvia Plath
Em cartaz até 14 de junho no Teatro Sérgio Cardoso. De quinta-feira a domingo às 20 horas. Ingressos – R$ 30,00.








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